Abril/2021 

Psicologia
Princípio do Prazer  e
Princípio da Realidade

 

Consultório de Freud em Viena 2.jpg

É comum considerarmos que somos movidos pelo Princípio do Prazer: buscamos o prazer e evitamos o desprazer. Levamos em conta também que a intensidade do desprazer nos faz aceitar o que em outras situações rejeitaríamos.

 

Quando escolhemos o cardápio do almoço de domingo, partimos da lista dos pratos que mais gostamos para que tenhamos um almoço muito prazeroso. Porém, num momento de muita fome, uma comida nada apetitosa será percebida como deliciosa.

Parece mais fácil compreendermos o Princípio do Prazer quando observamos uma criança, que é movida pelo Id-Ego, atendendo muito mais aos seus impulsos corporais, que cobram o prazer imediato: “quero e quero agora”.

 

O Princípio da Realidade, presente no adulto responsável, nos torna capazes de antever o prazer e nos capacita a adiar ou desistir da sua realização, a tolerar a frustração de não realizá-lo. Utilizamos o Princípio da Realidade quando percebemos a inviabilidade do que queremos ou o consequente desprazer ou dano resultante do prazer desejado.

 

Movidos pelo princípio da realidade, diante do desejo de comprarmos uma bicicleta para começarmos a pedalar, entramos na loja com dinheiro suficiente para a compra de uma sem marcha e com poucos acessórios. Escolhemos adiar a compra por dois meses, ao tomar conhecimento de outras com mais acessórios e com marcha, melhores. Ao esperar um pouco mais para juntarmos o dinheiro suficiente, adquiriremos depois (não agora) um equipamento melhor e mais equipado.

 

Há situações em que toleramos um desprazer para obter um prazer. A situação do trabalho remunerado é um exemplo. Aceitamos executar tarefas desprazerosas para conseguirmos a remuneração para nossas necessidades e prazeres. Aceitamos a rotina tediosa do escritório, compensada por viagens, que nos proporcionam o prazer de conhecer novos lugares, novas culturas e novas pessoas.

 

FREUD: Formulações sobre
os dois princípios do funcionamento mental

 

Recortes do VOLUME XII (1911-1913)

da Edição Eletrônica Brasileira das

Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud Versão 2.0

 

"Há muito tempo observamos que toda neurose tem como resultado e, portanto, provavelmente, como propósito arrancar o paciente da vida real, aliená-lo da realidade.

 

Os neuróticos afastam-se da realidade por achá-la insuportável — seja no todo ou em parte.

 

Na psicologia que se baseia na psicanálise, acostumamo-nos a tomar como ponto de partida os processos mentais inconscientes, com cujas peculiaridades nos tornamos familiarizados através da análise. Consideramos que são os processos mais antigos, primários, resíduos de uma fase de desenvolvimento em que eram o único tipo de processo mental. O propósito dominante obedecido por estes processos primários é fácil de reconhecer; ele é descrito como o princípio de prazer-desprazer [Lust-Unlust], ou, mais sucintamente, princípio de prazer. Estes processos esforçam-se por alcançar prazer; a atividade psíquica afasta-se de qualquer evento que possa despertar desprazer.

 

Retorno a linhas de pensamento já desenvolvidas noutra parte quando sugiro que o estado de repouso psíquico foi originalmente perturbado pelas exigências peremptórias das necessidades internas. Quando isto aconteceu, tudo que havia sido pensado (desejado) foi simplesmente apresentado de maneira alucinatória, tal como ainda acontece hoje com nossos pensamentos oníricos a cada noite. Foi apenas a ausência da satisfação esperada, o desapontamento experimentado, que levou ao abandono desta tentativa de satisfação por meio da alucinação. Em vez disso, o aparelho psíquico teve de decidir tomar uma concepção das circunstâncias reais no mundo externo e empenhar-se por efetuar nelas uma alteração real. Um novo princípio de funcionamento mental foi assim introduzido; o que se apresentava na mente não era mais o agradável, mas o real, mesmo que acontecesse ser desagradável. Este estabelecimento do princípio de realidade provou ser um passo momentoso.

 

Uma tendência geral de nosso aparelho mental, que pode ser remontada ao princípio econômico de poupar consumo [de energia], parece encontrar expressão na tenacidade com que nos apegamos às fontes de prazer à nossa disposição e na dificuldade com que a elas renunciamos. Com a introdução do princípio de realidade, uma das espécies de atividade de pensamento foi separada; ela foi liberada no teste de realidade e permaneceu subordinada somente ao princípio de prazer. Esta atividade é o fantasiar, que começa já nas brincadeiras infantis, e, posteriormente, conservada como devaneio, abandona a dependência de objetos reais.

 

Tal como o ego-prazer nada pode fazer a não ser querer, trabalhar para produzir prazer e evitar o desprazer, assim o ego-realidade nada necessita fazer a não ser lutar pelo que é útil e resguardar-se contra danos. Na realidade, a substituição do princípio de prazer pelo princípio de realidade não implica a deposição daquele, mas apenas sua proteção. Um prazer momentâneo, incerto quanto a seus resultados, é abandonado, mas apenas a fim de ganhar mais tarde, ao longo do novo caminho, um prazer seguro.

 

A educação pode ser descrita, sem mais, como um incentivo à conquista do princípio de prazer e à sua substituição pelo princípio de realidade; isto é, ela procura auxiliar o processo de desenvolvimento que afeta o ego. Para este fim, utiliza uma oferta de amor dos educadores como recompensa; e falha, portanto, se uma criança mimada pensa que possui esse amor de qualquer jeito e não pode perdê-lo, aconteça o que acontecer.

 

A arte ocasiona uma reconciliação entre os dois princípios, de maneira peculiar. Um artista é originalmente um homem que se afasta da realidade, porque não pode concordar com a renúncia à satisfação instintual que ela a princípio exige, e que concede a seus desejos eróticos e ambiciosos completa liberdade na vida de fantasia.

 

Enquanto o ego passa por suas transformações, de ego-prazer para ego-realidade, os instintos sexuais sofrem as alterações que os levam de seu auto-erotismo original, através de diversas fases intermediárias, ao amor objetal a serviço da procriação."