Março/2023: Psicologia

 

A Psicologia da Auto-Ilusão

Mentiras Essenciais, Verdades Simples
 

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Mentiras Essenciais, Verdades Simples, a Psicologia da Auto-Ilusão é também o título do livro de Daniel Goleman, mais conhecido como autor de outro livro, Inteligência Emocional. Este tema tem feito parte das nossas sessões de psicoterapia com considerável frequência.

 

Embora seja uma questão polêmica, ser neurótico é ter a melhor estrutura psicológica. Segundo a classificação mais utilizada, as alternativas seriam ser perverso ou ser psicótico. Ser neurótico é enfrentar/lidar/reconhecer a realidade que percebemos, seja quando nos traz alegria e prazer, ou quando nos traz tristeza e desprazer.

 

Buscamos sempre a parte boa da realidade e nos esquivamos/fugimos do que nos faz mal. Se o ambiente é saudável, bom, limpo, gostoso, alegre, tranquilo, harmonioso, colaborativo ou excitante, é nele que queremos estar. Se o ambiente é tóxico, ruim, sujo, chato, triste, agitado demais, caótico, excessivamente competitivo ou tedioso, é dele que queremos nos esquivar ou até mesmo fugir. Neuróticos que somos, não deixamos de perceber o que é mau, mas buscamos o que é bom.

 

Acontece que nem sempre podemos estar em um ambiente saudável. Muitas vezes somos obrigados a estar em ambientes tóxicos. Poderíamos dizer que o ambiente em que estamos é uma escolha, mas não é tão simples assim. Escolhas dependem de oportunidades e nem sempre conseguimos o acesso às oportunidades e ambientes que desejamos.

 

Em especial, no período da infância à puberdade, poucas escolhas podemos fazer. Na grande maioria dos casos, são os adultos que cuidam, acolhem e protegem as crianças. Muitas vezes são eles que escolhem por elas e são também os responsáveis por proporcionar um ambiente saudável. Costumo dizer: “e aí a vida acontece”. Desafortunadamente, o ambiente pode ser tóxico para as crianças.

 

 

A Auto-Ilusão

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Quando o ambiente é tóxico, nosso aparelho psíquico potencializa ainda mais os mecanismos de defesa contra o mal existente. Os mecanismos de defesa são diversos. Podem distorcer a realidade criando uma fantasia, fazendo-nos imaginar algo bom quando captamos o que é mau. Todos nós fazemos isso. Chamamos este tipo de fantasia de ilusão. Como fomos nós mesmo os criadores desta ilusão, a esta ilusão denominamos auto-ilusão.

 

A auto-ilusão é uma criação do próprio indivíduo. Ela tem a função de ajudá-lo a suportar a dor, o sofrimento e o desprazer.

 

É comum observarmos fantasias ilusórias institucionalizadas, em especial nas histórias familiares. Herdamos ilusões, herdamos histórias que não fazem sentido. Herdamos opiniões - que tivemos que aceitar – quando ainda não tínhamos nenhuma condição de questionar e/ou compreender o que nos foi dito.

 

As experiências infantis nos ajudam a perceber que houve situações que nos levaram a acreditar nas ilusões familiares que nos foram veementemente apresentadas. Esta é uma condição humana muito comum: a condição de estarmos submetidos ao cuidador, aquele que nos protege, aquele de quem esperamos o amor e as coisas boas da vida. Ao discordar das ilusões familiares a criança pode ser chamada de rebelde, de birrenta, de mal-educada ou de alguém que ainda não percebe as coisas como “elas são”.

 

A auto-ilusão e as ilusões familiares constituem as Mentiras Essenciais, justificadas por supostos estados de bem estar e de segurança. Acreditando nas Mentiras Essenciais nos esquivamos da dor, do sofrimento e do desprazer, o que pode parecer uma boa escolha. Porém, neuróticos que somos, mais cedo ou mais tarde teremos que enfrentar a Verdade Simples que tais mentiras escondem. Verdades Simples  apontam o mal que nos aflige e nos angustia.

 

Gostaríamos que a realidade fosse sempre boa. Viver num ambiente saudável, estar sempre alegres e satisfeitos.

 

Sabemos porém que a realidade, qualquer que seja, nos proporciona coisas boas e coisas más. A proporção entre o mal e o bem varia dinamicamente. Diante do mal, sofremos. Criar ilusões e negar o mal que é parte da nossa realidade não é o caminho para a saúde, mas para a esquizoidia.

 

Esquizoidia é o termo utilizado para denominar a cisão ou a divisão do que é inteiro. De forma esquizoide, dividimos o que é inteiro e total. Escolhemos perceber apenas a parte boa. A auto-ilusão é acreditar que desta forma o mal deixa de existir.

 

E como para Cazuza ...

"Mentiras Sinceras me interessam!"

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Gregory Bateson criou a palavra “dormitivo” para denotar ofuscação, o fato de não vermos as coisas como são.

 

Dormitivo deriva do latim dormire, dormir. Bateson conta que roubou a palavra de Moliere. Em sua comédia-balé, O Burguês Gentil-Homem, Moliere relata a cena em que um grupo de médicos medievais apresentam um teste oral a um candidato ao estudo da medicina. Eles perguntam: “Por que, candidato, o ópio faz dormir as pessoas?”. O candidato responde triunfante: “Porque, sábios doutores, ele contém um princípio dormitivo. Isto é, faz dormir porque faz dormir.”

Um dos fatores que formam a percepção é a Moldura Dormitiva – curvas e desvios inseridos na atenção por insistência da segurança. Ao nos darmos conta da Moldura Dormitiva, nos tornamos um pouco mais livres para expandir nossa percepção. Podemos escolher se quereremos ter maior autoridade sobre elas, considerar se queremos os limites do pensamento e da ação que a Moldura Dormitiva nos impõem.

 

“Se com tanta facilidade nos embalamos num sono sutil, como podemos acordar? O primeiro passo, parece-me, é observar como é que adormecemos."

 

Daniel Goleman          

 

Mentiras Essenciais e Perversão

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Assim como a Neurose, a Perversão também é uma estrutura psicológica. O neurótico percebe o bem e o mal presentes na realidade e encara o mal, enfrentando o desprazer e sofrimento que o mal causa. O perverso também percebe o mal, mas age como se ele não pudesse afetá-lo. Mais ainda, o perverso manipula o neurótico, fazendo com que este outro-neurótico acredite que com a sua ajuda eliminará o mal que aflige a “ambos”. Em geral, o mal que aflige o perverso é diferente do mal que aflige o neurótico.

 

Um exemplo bem conhecido dos eleitores é o discurso perverso de alguns dos candidatos a cargos públicos. No discurso prometem acabar com o mal que aflige a todos eleitores neuróticos. O eleitor ingênuo acredita nas propostas inviáveis e manipuladoras, e vota no candidato perverso. Repetidas vezes o mal que aflige o eleitor permanece. Já o mal que afligia o candidato, este sim, é eliminado. O empossado candidato passará a gozar dos benefícios que o seu cargo lhe confere, livre das mazelas que o importunavam.

 

As Mentiras Essenciais nos predispõem à manipulação perversa. Não importa se fomos nós mesmos os criadores da Mentira Essencial ou se ela nos foi contada. A ideia de nos esquivarmos do mal que nos aflige é muito atraente. Quando preferimos acreditar numa estória mal contada e cheia de inverdades, a enfrentar a Verdade Simples que ela tenta esconder, a ilusão reina soberana.

 

“O alcance do que pensamos e fazemos é limitado por aquilo que deixamos de notar. E porque deixamos de notar isso, é que deixamos de notar que pouco podemos fazer para mudar até notarmos como o fato de não notar modela nossos pensamentos e nossas ações”

R. D. Laing          

 

A Psicologia da Auto-Ilusão

(Com recortes e edições do capítulo introdutório do livro de Daniel Goleman)

 

Memórias de partes vitais da nossa vida estão ausentes. São lacunas em experiência, encobertas por falhas no vocabulário (em especial na infância). Temos apenas uma noção vaga, ou mesmo inexistente, de fatos que muitas vezes nem sequer experimentamos.

 

O ponto cego é uma metáfora fisiológica adequada para nossa incapacidade para ver as coisas como realmente são. Na fisiologia o ponto cego é a lacuna no nosso campo de visão, resultante da arquitetura do olho. O que um dos olhos perde é compensado pela visão sobreposta do outro. Assim, de modo geral não notamos os pontos cegos. Para nós eles não existem.

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Experimente: comprove a existência de um ponto cego, clicando aqui.

 

Para percebermos qualquer coisa, precisamos da Atenção. Atenção é a coleta de informação crucial para a existência. A ansiedade é a resposta corporal que surge quando essa informação é registrada como uma ameaça.

 

A parte curiosa dessa relação é evidente: podemos usar a atenção para negar a ameaça, protegendo-nos desse modo contra a ansiedade.

 

Uma conscientização distorcida dos fatos pode ser desastrosa.

 

Hanna Arendt, filósofa social, descreve como a combinação da auto-ilusão com o livre arbítrio nos permite fazer o mal, acreditando que é o bem.

 

Percepção é seleção. A informação é filtrada, de um modo geral, visando o nosso bem estar, a nossa saúde. Porém, a própria capacidade do cérebro para fazer isso o torna vulnerável à deturpação do que é admitido à percepção e do que é rejeitado. O fato de filtrarmos o que queremos perceber do ambiente é o que chamamos de recorte: não percebemos o todo, mas apenas parte do que nos cerca e do nosso mundo interno (sensações corporais).

 

Ao processo de filtragem chamamos de Atenção Seletiva. É determinada por nossos preconceitos. Neste contexto, preconceito significa o conceito criado quando da experiência original/primeira e poucas vezes atualizado. As experiência originais são em geral - salvo as experiências traumáticas - as mais relevantes, o que explica a importância essencial das experiências infantis. 

 

Relata William James: “Minha experiência é aquilo ao que concordo em dar atenção. Só os itens que eu noto formam minha mente.” ... “Sem interesse seletivo, a experiência é um caos completo.”

 

E para Freud, "a atenção é modelada de modo crucial pelo inconsciente, que é um reino fora do alcance da escolha consciente.”

 

O elo atenção-ansiedade é parte de uma teia complexa, inserida no funcionamento do cérebro, na textura da mente e no tecido da vida social.

 

As premissas da tese de Goleman:

 

1. A mente pode se proteger contra a ansie-dade, diminuindo a percepção;

 

2. Esse mecanismo cria um ponto cego, uma zona de atenção bloqueada e de auto-ilusão  e

 

3. Esses pontos cegos ocorrem em cada nível principal do comportamento, do psicológico ao social.

 

A desatenção – para o que nos é doloroso – é aliviadora e pode se tornar um hábito, formar o caráter. À medida que se forma a personalidade, um conjunto de esquemas protetores torna-se dominante. Os esquemas protetores são compostos por pontos cegos e pela auto-ilusão.

 

A construção social da realidade

 

Os esquemas protetores funcionam também no campo social, criando uma realidade consensual.

 

Esta realidade social é composta por bolsões de zonas de informação tacitamente negada.

 

A facilidade com que esses pontos cegos sociais se formam é devida à estrutura da mente individual.

 

preço social é a ilusão compartilhada.

 

 

Referência bibliográfica:

 

Mentiras essenciais, verdades simples: a psicologia da auto-ilusão;

Daniel Goleman; tradução de Aulyde Soares Rodrigues. – Rio de Janeiro: Rocco, 1997

 

A teoria do duplo vínculo de Gregory Bateson

Transcrição do texto publicado no site A mente é maravilhosa

 


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