Junho/2022: Psicologia
O Caso Bá
Libertação do Trauma de Abusos Sexuais
sofridos na Infância e na Puberdade
Transcrição da nossa Apresentação realizada em 4 de junho de 2022
no III Congresso Latino-Americano de Psicologia Corporal
<Jaimildo>
O Caso Bá (nome fictício) retrata um recorte do trabalho psicoterapêutico, iniciado em março de 2015 e ainda em andamento. O tratamento dos abusos sexuais sofridos por Bá na infância e na puberdade são o tema da nossa apresentação.
Bá participou ativamente da elaboração desta apresentação e nos contará como foi sua experiência psicoterapêutica.
Tomamos os devidos cuidados para manter a confidencialidade e sigilo de Bá, conforme determina o Código de Ética do Profissional Psicólogo, na Resolução CFP 010 de 2005, em seu Artigo 9º, que diz:
É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional.
Eu sou o Jaimildo Vieira, 65 anos, casado, 3 filhos, 2 netos, Psicólogo Clínico desde 2007. Formado em Psicologia pela FMU e em Análise Bioenergética pelo Instituto Lumen. Atuo em São Paulo, capital.
<Bá>
Eu sou a Bárbara, me chamam de Bá, tenho 50 anos, casada, dois filhos, formada em Técnica de Recursos Humanos, atualmente estudante de Psicologia.
<Jaimildo>
Nosso objetivo é compartilhar com vocês os resultados obtidos com os trabalhos corporais utilizados no tratamento do trauma dos abusos sexuais.
<Bá>
Pretendo aqui dividir parte da minha história com vocês, espero que de alguma forma ela ajude pessoas que passaram, passam e infelizmente ainda vão passar pela situação que aconteceu comigo e como a Bioenergética pode ajudar as pessoas traumatizadas.
<Jaimildo>
Vamos lá então, Bá.
Comecemos pelo que era impossível para você há algum tempo atrás: o relato do abuso.
<Bá>
Relatar os vários abusos sofridos na minha infância e puberdade, é sempre complicado, porque não fica claro, se foi real ou não.
Lembro-me de estar brincando, tinha uns 5 anos, morávamos em um quintal com várias casas. Em uma destas casas morava um casal e uma filha, brincávamos juntas. Quando a mulher dele saia, ele prontamente dizia para não se preocupar que tomaria conta de nós duas. Ele colocava a filha dele para dormir, e eu na cama de casal. Ele tirava a roupa, ficava apenas de cueca, fechava tudo, deixava apenas um rastro de luz que eu via lá no fundo. Pedia para que eu deitasse do lado dele. Eu obedecia. Cobria-nos com o cobertor e pedia para eu ficar quietinha. Eu não entendia o que ele estava fazendo, mas sabia que era errado, e mesmo assim não conseguia sair dali gritando e contando para todo mundo. As minhas lembranças vão até aí, sinto como se houvesse um desmaio e acordasse tempos depois. Não sei dizer quantas vezes, quanto tempo, sei que moramos lá durante um tempo.
Na puberdade, minha mãe pedia para fazer as compras de casa, Um senhor que parecia o Genival Lacerda, me dava pirulito, balas, sempre algum doce, eu ia feliz e contente para casa. Um dia ele começou a me abraçar, apertar minhas bochechas, passar a mão nos meus cabelos. Até aí estava tudo bem, sentia como um carinho paterno. Quando percebeu que tinha ganhado minha confiança, os abraços e os carinhos tornaram-se cheios de malícia e maldade, Nesses abraços ele arrumava um jeito de tocar meus seios. Sentia muita raiva e o medo me paralisava. Estava novamente no mesmo lugar, no quarto escuro. Outra vez não conseguia fazer nada. A culpa vinha e as incertezas também. Não tinha reação nenhuma. Então transferi a raiva para minha mãe, que passei a culpar por me mandar fazer compras.
<Jaimildo>
Obrigado, Bá.
O que os abusos causaram a você?
<Bá>
A tristeza tomou conta do meu ser. Não conseguia administrar minhas emoções, tinha choros frequentes, pesadelos, não conseguia dormir, tinha medo do escuro, fortes dores de cabeça.
Tornei-me uma pessoa irritada, nervosa e desconfiada. Sentia raiva do mundo, de mim, da minha mãe. Sentia nojo do meu corpo e do meu ser.
Minhas pernas perderam a força. Elas não sustentavam o peso do meu corpo. Caia com frequência e sem motivos.
Sexualmente o meu corpo ficou comprometido e minha comunicação verbal também.
Todas as vezes que algum fato me traz essas memórias dos abusos experiencio a mesma angústia do momento do abuso.
<Jaimildo>
Bá estava com 43 anos quando iniciamos a psicoterapia. Era esposa, mãe e responsável pela maior parte da renda familiar.
Os principais sintomas percebidos no início da psicoterapia foram:
A hipótese de que Bá teria sido abusada sexualmente foi ganhando força com o decorrer das sessões.
<Jaimildo>
Citando Maurizio Stupigia:
“Não é possível, ou, pelo menos, é pouco funcional, tratar os pacientes que apresentam passado de abuso sexual sem uma atenção particular e específica ao corpo. O núcleo central da experiência traumática é um ataque violento à pessoa, no sentido de sua integridade corporal.”
Quando nosso vínculo havia criado um ambiente seguro, apresentei à Bá os prováveis benefícios dos exercícios corporais. Com sua costumeira coragem e impulsividade, ela concordou.
<Jaimildo>
Os exercícios corporais utilizados tiveram como base o disposto nos livros:
O corpo violado, de Maurizio Stupiggia;
Exercícios de Bioenergética, de Alexander e Leslie Lowen e
Exercícios para libertação do trauma, de David Berceli
A partir do relato de Bá, apresentaremos alguns dos exercícios que utilizamos.
Iniciaremos com a Respiração Abdominal.
<Bá>
Ao praticar a respiração abdominal, às vezes tinha tonturas. A respiração me levava a lugares que eu não conseguia reconhecer, uma dor sem fim, um medo paralisante. Eu não conseguia seguir com respirações profundas e uniformes.
A enxaqueca voltou, impossibilitando meu dia-a-dia. A situação era tão angustiante que queria desistir. Mas o que fazer? Eu procurava algo que desconhecia, mas sentia que tinha que seguir. Então decidi me exercitar o máximo possível, na minha rotina.
A respiração me trouxe consciência de mim mesma e do meu corpo, fez parte do processo de criação da minha identidade corporal.
À medida que assumi o meu corpo através dos exercícios respiratórios, havia um movimento dentro de mim. Fiquei mais agressiva, mais inquieta e comecei a ver coisas que não via. Isso me causou alguns problemas. Perdi amizades, emprego. Deveria estar triste, porém sentia-me feliz. Sentia-me livre.
<Jaimildo>
Citando Lowen: "A boa respiração é essencial a uma saúde vibrante."
O objetivo de estimular Bá a respirar no abdome era fazê-la perceber sua vitalidade.
Com o tempo, Bá me disse que se sentia mais apropriada de seu corpo e mais livre.
Falaremos agora do Grounding em Pé
<Bá>
Com os pés plantados no chão, sentia meu corpo mais alinhado, mais segura, sentia meus pensamentos e sentimentos conectados, estava presente na ação. Às vezes me surgiam pensamentos fluidos que depois eu levava para discutirmos na sessão.
Esses exercícios foram fundamentais. Comecei a lidar melhor com meus processos internos e externos, a sair do passado e ir em busca do presente, a distinguir o que é meu e o que é do outro.
Senti meu corpo morto por muito tempo, hoje faço o possível para que ele Viva e Vibre.
<Jaimildo>
Citando Lowen:
"A pessoa grounded tem seu lugar, é alguém. ... O resultado imediato é que aumenta seu senso de segurança. "
Com os exercícios de grounding, pudemos perceber que o corpo de Bá vibrava até a região pélvica. Era o limite para ela. Havia uma cisão ali.
Eu lhe dava o suporte, ficando em frente a ela, para acudi-la caso perdesse a sustentação das pernas. Mais tarde percebi que isto a aterrorizava. Ela me via como um homem se aproximando dela e revivia a experiência do abuso. Aprendi que deveria ficar ao lado dela.
Utilizamos também o grounding de coluna com os Pés de Bá apoiados em minhas Costas.
<Bá>
Percebendo minhas dificuldades com a respiração, meu terapeuta propôs fazermos o Grounding de Coluna com os pés nas suas costas, para sustentação da minha confiança.
Após a prática do exercício sentia-me mais energizada e confiante. Sentia que poderíamos caminhar mais um pouco. íamos alternando entre exercícios de respiração e grounding.
<Jaimildo>
Fazer o grounding deitada e com os pés apoiados em minhas costas, ajudou Bá a romper o bloqueio do fluxo de energia, que ocorria na altura da pélvis. Também permitiu que ela pudesse tocar minhas costas, num contato em que ela tinha o controle da situação.
Trabalhamos também o Anel Ocular com o contato olho-no-olho.
<Bá>
Esse exercício particularmente foi o que me causou mais pavor, tinha muita dificuldade em fazer o contato visual.
Sentia-me tonta, com dores na nuca, meus olhos doíam, minha respiração ficava curta, mas tolerável.
<Jaimildo>
O contato olho-no-olho traz a memória do terror. Este contato trouxe para Bá a oportunidade de perceber que o terror sofrido estava no passado, que poderia integrá-lo à sua história.
Estando num ambiente seguro, Bá lidou com suas memórias, em grounding. Sentiu novamente o pavor, mas também sentiu a potência de mulher adulta que habita seu corpo. Compreendeu que era capaz de "dizer não", se quisesse parar o exercício.
Esta Reexperiência Sensorial trouxe um considerável avanço ao processo psicoterapêutico.
Depois de alguns meses, introduzimos o TRE, uma sequência de 8 exercícios com o propósito de libertar o corpo dos traumas sofridos.
Vamos falar agora do exercício TRE da cadeira.
<Bá>
No início foi estranho fazer o TRE. Eu não entendia o sentido e nem as vibrações do meu corpo. A sustentação das pernas era muito difícil para mim. Com o tempo e repetição, fui internalizando o exercício, passei a perceber o que a energia estava fazendo: subia, descia, esquentava, gelava. Isto me dava sensações de medo e de prazer.
<Jaimildo>
David Berceli nos diz:
"Os Exercícios para Libertação de Trauma foram especificamente projetados para induzir artificialmente o tremor no corpo ... e liberar as contrações musculares profundas que foram criadas por grave choque ou trauma."
Bá já tinha vivenciado os efeitos benéficos da boa respiração e do grounding. Com o TRE ela experienciou sensações mais intensas de medo, e também de prazer.
E vamos finalizar com o exercício TRE da borboleta.
<Bá>
Minha prática deitada, na posição borboleta é mais confortável, sinto-me mais calma e a respiração flui melhor.
A vibração me deixa agitada, começa sútil, dentro, e vai aumentando até se tornar perceptível fora.
Não estou acostumada a sentir-me livre, sou controladora e a vibração é o oposto, controle e vibração não combinam.
A briga da mente e corpo são intensas, tento equilibrá-los, processo nada fácil, sempre na intenção da vibração corporal livre.
Continuo fazendo, com dificuldades, mas me sentindo cada vez mais viva: com disposição, uma alegria que emana do meu ser. Esta vibração traz vida para o meu corpo, traz força, garra.
<Jaimildo>
Berceli também nos diz:
"Libertar-se do trauma não tem o propósito de esquecer ou perdoar o passado; é liberar energia do passado para devolver nossas vidas ao presente, algo que é necessário para nos levar a um novo futuro."
Foi muito especial para mim ver o corpo de Bá vibrando por inteiro.
O TRE nos proporcionou grande avanço ao processo psicoterapêutico.
Para encerrar nossa apresentação, Bá nos contará como se sente hoje.
<Bá>
Venho buscando uma melhora da minha saúde há muito tempo: espiritual, corporal, mental ...quero me tornar uma pessoa integral. Ser uma Bá nova, mais confiante e não mais guiada pelo trauma.
Saí da vida corporativa, estou fazendo Faculdade de Psicologia, quero trabalhar na área clínica, com trauma.
Minha saúde estava muito ruim. Agora estou bem.
Fiz cirurgia bariátrica ... não queria esperar a mudança corporal, pois não conseguia mais me identificar com a imagem que via no espelho. Minha imagem não combinava com o meu novo interior.
Estou bem melhor de saúde. Fiz tudo o que estava ao meu alcance e quero seguir em frente.
<Jaimildo>
Bá havia compreendido o conceito de Saúde da OMS: buscava o "completo bem-estar".
Ela escolheu a imagem de guerreira que ilustra a nossa apresentação. É graças à sua garra que estamos aqui, compartilhando com vocês o seu empenho em ter o “completo bem-estar”.
Estive presente em momentos de grande dificuldade para ela, sempre persistente e empenhada em vencer o terror, que ainda mora em seu corpo, mas não é mais tão aterrorizante assim.
O desejo de compartilhar sua história é um ato de muita coragem, solidariedade e generosidade.
Tenho o privilégio de colaborar com ela e acompanhá-la em sua trajetória.
A Bá de hoje é muito diferente da Bá que conheci em 2015.
Para encerrar, quero dizer que sou muito grato pela oportunidade de ser o seu psicoterapeuta.
Referências bibliográficas:
O corpo violado: uma abordagem psicocorporal do trauma do abuso
Maurizio Stupiggia; tradução de Roberto Chiattone e Nelson Patriota. Natal, RN: EDUFRN, 2010
Exercícios de bioenergética: o caminho para uma saúde vibrante
Alexander Lowen e Leslie Lowen; [tradução de Vera Lúcia Marinho, Suzana Domingues Castro]. São Paulo: Agora, 1985
Exercícios para libertação do trauma
David Berceli; tradução: Amadise “Tai” Silveira. Recife: Libertas, 2010
Outros Informes: Psicologia Assessoria de Desempenho Consultoria Empresarial Idéias Inspiradoras
Jaimildo Vieira da Silva - CRP 6/89557
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