Março/2021

Psicologia
Paranoia Coletiva
O Outro como um Inimigo Potencial
 

Filhos de pais paranóicos 3.jpg

Reflexão sobre o artigo “O Outro como Inimigo Potencial”, de Luigi Zoja, publicado no Jornal Clínico do Instituto Internacional de Análise Bioenergética (2020) Volume 30

 

É difícil admitirmos o mal que existe dentro de nós. Muito mais fácil é projetar este mal no Outro. Transformando o Outro no mal, o tornamos sub-humano ou não humano: um animal irracional. Sem contar que nos iludimos ao acreditar que apenas os racionais produzem o bem. Sendo o Outro um animal, podemos tratá-lo como uma galinha, um porco ou uma vaca, que matamos para nossa nutrição, sem nos sentirmos culpados.

 

Assim, projetando no Outro o mal que nos angustia*, negamos  o mal que está em nós. Há que se perceber que o mal continua a existir, mas ilusoriamente incorporado no Outro.

 

Para nosso bem estar, o mal precisa ser eliminado. A paranoia* se instala quando percebemos que o mal existe e poderá nos alcançar.

 

Os preconceitos em relação às pessoas diferentes de nós estão muitas vezes associados ao mal que tememos. Quanto menos conhecemos este Outro Malvado, que ativa em nós o preconceito, mais facilmente atribuímos o mal a ele. A partir do preconceito transformamos o Outro em Bode Expiatório, um não humano, um burro, um macaco, um rato, como um dos animais que devemos sacrificar para nossa sobrevivência, e, com isso, acreditamos eliminar a nossa angústia*.

 

Em especial, a título de exemplo, quando a mídia de massa chama alguém de rato (ou diz que alguém influente assim o fez), está estimulando seus leitores a projetar o mal que há dentro deles naquela pessoa, e por associação, estimulando o desejo de eliminá-la.

 

A paranoia* coletiva se instala a partir desta projeção do mal que está em nós, pelo efeito manada*. Criado o bode expiatório, temos o monstro que poderá nos destruir, o inimigo comum a ser eliminado.
 

Os meios de comunicação – de forma intencional, ingênua ou perversa – servem aos que buscam ou estão no poder. Influenciam muitos a agir, movidos pela ideia de eliminar o mal, o bode expiatório causador de angústias.

 

“Apontar o dedo é irracional, mas ‘psicologicamente útil’. Em curto prazo, ter um inimigo é catártico, para mentes que não consideram o longo prazo. Porém no longo prazo apontar o dedo tem levado o mundo a guerras e genocídios.” Luigi Zoja

 

O que nos causa tanta angústia?
Não há explicação simples para o que é complexo. Porém, uma explicação simples, mesmo inverossímil, pode nos ajudar a aplacar a persistente angústia.


(*) sugerimos que você veja o Glossário contido no final desta página

 

 

Melhor seria vivermos em harmonia

 

Por um lado, exigimos o direito de expressar nossa opinião, desejamos ser respeitados, aceitos, incluídos e amados.
Por outro lado, deixamos de levar em conta que a opinião é nossa (singular e diversa), não é a opinião do outro ou dos outros (coletiva). Há, portanto, o dissenso, que pode gerar um conflito.
No conflito, é comum atribuirmos o mal ao Outro, por ele pensar diferente de nós. Potencializamos a personificação do Bode Expiatório: o Outro.

 

Há que se levar em conta, que o conflito traz benefícios: a discussão, a dialética, a geração de novas e melhores ideias. Como malefício, o conflito gera o Bode Expiatório, transforma a discussão em briga, tende a derrotar e eliminar o Outro.

 

Eliminar a Paranoia Coletiva e Individual é um empenho em construir um lugar de Consenso. Espaço onde os diferentes convivam em harmonia, com o devido respeito à opinião alheia.

 

 

Bodes Expiatórios

A influência da mídia de massa

 

Na Segunda Guerra Mundial:


42% dos soldados americanos que lutaram contra os japoneses, tinham a opinião de que toda a população do Japão deveria ser eliminada; e dentre os soldados que ainda estavam em treinamento, o percentual era maior: 67%.
 

Fonte: The genocida scholars Chirot and McCauley (2006, p216) 

 

Percepção x Realidade:

 

Sobre a população de muçulmanos na Europa:
para muitos europeus, refugiados e migrantes representam o mal.
Assim, a população percebida de muçulmanos é maior que a população real:

 

- França: percepção 30%, realidade 8%

- Alemanha: percepção 19%. Realidade 6%

- Reino Unido: percepção 21%, realidade 5%

- tália: percepção 20%, realidade 4%

- Espanha: percepção 16%, realidade 2%

- Hungria: percepção 7%, realidade 0,1%

 

Fonte: Ipsos, Pew Research Center

 

“Na vida psíquica do indivíduo, o outro entra em consideração de maneira bem regular como modelo, objeto, ajudante e adversário, e por isso, desde o princípio, a psicologia individual também é ao mesmo tempo psicologia social!"


Fonte: Freud, Psicologia das Massas, 1921  

 

Glossário de Termos Técnicos
Adaptado ao contexto deste informe
 

Paranoia: Desconfiança irreal em relação aos outros ou sensação de perseguição. Termo introduzido na psiquiatria para designar os problemas psíquicos que tomam a forma de um delírio sistematizado.

 

Angústia: 

Em 1895, Freud apresentou o quadro clínico da neurose de angústia:

1. Irritabilidade geral: acúmulo de excitação ou incapacidade de tolerar tal acúmulo;

2. Expectativa angustiada: um estado de alerta, no qual se esperaria que ocorresse sempre o pior;

3. A angústia seria latente em relação à consciência, podendo irromper repentinamente.

 

Efeito Manada é um fenômeno psicológico coletivo que estimula as pessoas a repetirem as ações dos outros membros do grupo. É também a tendência humana de repetir ações feitas por outras pessoas, ainda mais se estas forem influentes, esperando assim ter o melhor resultado possível em um mar de escolhas. O Efeito Manada está associado ao termo Comportamento de Manada usado por Nietzshe para descrever situações em que indivíduos em grupo reagem todos da mesma forma, embora não exista uma direção planejada.