Junho/2024 Psicologia/Psicoterapia
“Toda Ansiedade Merece um Abraço”
Uma reflexão sobre o livro do Amaral
No informe de Abril/2023, A Ansiedade do Nosso Tempo, compartilhei com você minhas notas da apresentação online proferida por Alexandre Coimbra Amaral. Naquela oportunidade seu livro “Toda Ansiedade Merece um Abraço” estava prestes a ser publicado. Neste informe, apresento trechos que selecionei do livro para sua reflexão e ação.
A ansiedade continua sendo o tema mais frequente nas nossas sessões de psicoterapia.
A metáfora da neblina, relatada por Amaral, foi o estímulo para que publicasse aqui trechos de seu livro. Convido você a refletir sobre a proposta de Amaral e não apenas refletir, mas a abraçar mais, tornando-se assim mais um terapeuta da ansiedade.
“Num mundo [atual] que insiste em pôr pressa e norma em tudo, inclusive no sentir, Amaral nos incita a reconhecer o tempo das emoções, em especial da ansiedade, para além da lógica individualista e de soluções imediatas, reforçando o olhar que agrega o coletivo ao individual. É inevitável dizer: o livro é um abraço generoso em quem se vê vivendo na neblina.”
Janaisa Viscardi, linguista.
O funcionamento ansioso das pessoas do nosso século
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Imagine-se numa estrada íngreme, subindo uma serra em um automóvel. Você está na direção e está com o coração descompassado. Pudera: há uma neblina espessa que impede toda e qualquer visão. Suas mãos, trêmulas, se atam ao volante de maneira mais rígida, porque você teme perder a direção. Cada segundo parece uma vivência da própria eternidade. O tempo não circula nos ponteiros do relógio na mesma velocidade que o corpo sente. Tudo é urgente, tudo pode resultar em uma catástrofe, e a sensação é a de que você tem muito pouco controle sobre o aqui e o agora. Tudo o que você mais quer é que essa neblina passe, que você possa conduzir o veículo até um lugar seguro e consiga descansar dessa agonia que teima em parecer infindável. Os olhos estão arregalados, tentando enxergar qualquer coisa adiante que seja minimamente nítida. As fantasias do que pode vir a acontecer abundam em seu coração, e você sente, pensa e segura o volante com a mesma fissura.
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A cena que eu descrevi é uma metáfora do funcionamento ansioso das pessoas em nosso século. A neblina é a ansiedade, que enturvece nossa percepção da realidade e impede que tenhamos acesso a ela de forma a tranquilizar-nos. O destino da estrada em que conduzimos o veículo é o futuro. Você, dirigindo, e o veículo representam o corpo trêmulo, que tenta sair do assombro em que se encontra diante da neblina ansiosa.
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A ansiedade é uma neblina que nos impede de estar no momento presente de forma minimamente tranquila e que ao mesmo tempo nos leva a imaginar o que de pior pode acontecer conosco no futuro próximo. É o fantasma do imprevisível, do incontrolável, do indecifrável da vida. O futuro pode acontecer logo ali, sem que nada trágico realmente ocorra – mas o que importa é que agora, neste momento presente, nossa sensação é a de que tudo pode desmoronar no segundo seguinte. E, quanto mais tempo passamos obcecados com essa impressão, mais ela vai ganhando ares de verdade. Dentro desse carro e no meio da neblina, o GPS insiste em recalcular rotas que só alimentam o medo.
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Sob essa densa névoa, nossa pele vai aprendendo que para sermos aceitos temos que aumentar a velocidade do carro. Quando ele chega ao seu destino final, há muita gente dizendo que cruzamos um desafio, reconhecendo a força que precisamos imprimir ao nosso desassossego para não perder a tonicidade das mãos ao segurar o volante. Avisam-nos, a todo tempo e em todos os espaços, que, quanto mais rápido chegarmos aos destinos, às metas e aos resultados que contêm o atravessamento das névoas ansiosas, melhores pessoas e mais adaptados a esse mundo seremos. A ansiedade não é uma vilã da existência: muito pelo contrário, ela é parte da nossa sobrevivência. Mas, da forma como a conhecemos hoje, é um dos males do nosso tempo. Ela existe dessa forma, como uma neblina que nunca cessa, porque há uma força categórica que nos pede pressa, excelência e aceitação de tudo como “natural”.
Não, não é natural. É uma construção recente. Há muito pouco tempo o mundo funciona dessa maneira. A ansiedade aparece como o resultado do encontro de um mundo que pede que sejamos acelerados e produtivos ao extremo com nosso medo de não sermos capazes de responder a tantas exigências. Como se as exigências múltiplas de nossas vidas fossem o êmbolo de uma seringa, fazendo pressão sobre o ar ali dentro, que seríamos nós, apavorados ao percebermos que não temos tempo cronológico para realizar tantas tarefas simultaneamente. Por isso, chegamos ao fim de um dia exaustos, irritados, sem tolerância para os encontros e as cenas que justamente poderiam nos fazer despressurizar o peito apertado da agonia.
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Assim como sofremos a influência dessa cultura que repete o seu mantra infinitamente, “tenha pressa, ande rápido, está faltando muita coisa e o dia está acabando!”, não somos pessoas que estão programadas para necessariamente receber esse comando e acatá-lo fielmente, como um destino sem alternativas. Afinal, eu imagino que, se você está [lendo este informe], isso quer dizer que você tem aí dentro uma pergunta, uma dúvida, um desejo de que as coisas possam ser diferentes – para você, para os seus, para o mundo.
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O pensamento coletivo é uma das formas de transformar os espaços em que vivemos, e, se estamos todos sofrendo com os corações em desalinho, alinharmo-nos em um abraço consciente pode ser parte da saída dessa imensa neblina.
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Alexandre Coimbra Amaral
Citações do Amaral sobre a Ansiedade
Um convite à Reflexão e à Ação
Amaral facilitou a leitura de seu livro, incluindo citações destacadas em cada um dos capítulos que escreveu. Seguem as citações que selecionei para estimular você a conhecer um pouco mais sobre a ansiedade do nosso tempo e estimulá-lo a dar um abraço acolhedor e compassivo aos ansiosos que encontra pelo caminho.
Ansiedade e Vergonha
“Ansiedade não é uma coisa que deveria envergonhar você”.
Ansiedade é parte não o todo
“Temos a capacidade de recontar o que fomos, temos a liberdade de reinventar as palavras que nos nomeiam. A ansiedade é uma parte nossa, jamais o todo”.
“O que aconteceria com a sua forma de se ver, caso você deixasse de se enxergar como um “pessoa ansiosa”? Que tipo de adjetivo você poderia se dar nessa circunstância”.
“Você não vive a ansiedade o tempo todo. Há espaço em você para a serenidade. Você tem consciência de que circunstâncias da vida o deixam nesse estado mais tranquilo? Isso importa muito para você”.
Ansiedade não é o Medo
“O desassossego da ansiedade é porque ela fala de um evento que ainda não aconteceu, ao contrário do medo, que é vivido na hora em que a coisa está acontecendo”.
“Por que todos merecemos uma vida menos ansiosa? Porque já bastam os medos reais que temos que enfrentar. Porque já bastam as situações reais de uma vida”.
“É importante distinguir contágio de perigo. A ansiedade não é uma emoção perigosa. O que ela provoca é desagradável, mas ela não oferece risco: tudo o que ela nos faz é, de uma maneira catastrófica, dar um formato à incerteza”.
Ansiedade e o Corpo
“ Tudo o que gerar paralisia em você merece ter prioridade. Sempre que você não se sentir apto para realizar o movimento básico da vida, vale prestar atenção nesse momento com todo o cuidado que puder ter consigo. É a ansiedade te dizendo que você precisa de cuidados”.
“O corpo em estado ansioso é um movimento incerto, como o futuro que se teme. O corpo não sabe se vai, se vem, se fica ou se desiste. O corpo quer muito evitar que o pior aconteça, e não tem o menor indício de que conseguirá evitar a catástrofe”.
Ansiedade e Vida Social
“A ansiedade virou esse estímulo perene da cultura a nos guiar rumo ao tempo que ainda não existe. Fomos retirados do chão do presente e do chão das nossas memórias. Qual o efeito disso em nossas vidas? ”.
“A ansiedade social é fruto de culturas pouco inclusivas, julgadoras, moralistas e carregadas de estereótipos e preconceitos. Ela faz da vida social um corredor apertado, pelo qual poucos passam e são aplaudidos”.
“Somos muito mais do que esse projeto de escalas, medições, pontos acima ou abaixo das curvas. Há beleza na imperfeição: nela, ganhamos textura real”.
“O hábito pernicioso de poder dirigir-se ao outro a qualquer momento do dia esgarçou o sentido de urgência. Passamos a ver emergência onde apenas existe um tipo de ansiedade fabricada pelo nosso tempo”.
“Compartilhar como seu corpo e o corpo de cada um fica diante da ansiedade é uma maneira muito bonita de construir vínculos íntimos. Somos íntimos das pessoas que nos conhecem mais do que através das máscaras sociais.
Ansiedade convida para um recomeço
“A ansiedade pode querer impor a certeza de um fim, mas você tem a capacidade de convidá-la a ser um começo”.
Ansiedade e o Abraço
“O abraço merecido a toda ansiedade é um desejo para você, ... que se sente muito vulnerável para viver cenas ansiogênicas.
... O abraço é uma metáfora que todos conseguem entender, que nenhuma alma humana precisa de memória cognitiva para acessar, e que todo corpo vivo sente como alicerce para sua saúde. Abraçar a ansiedade alheia é compreender ... quais são as dores que cada pessoa à nossa volta experimenta em sua forma de vida particular. É um esforço consciente de sair da bolha da nossa vida sem tempo e parar por alguns segundos não somente para respirar para si, mas também para o encontro.
... É tempo de desacreditar na mentira do sucesso individualista. É tempo de entender o quanto estamos afastados dos vínculos que podem nos fortalecer para um genuíno tempo de bem viver.
É hora de desligar tudo o que nos isola e
de reconectar o olhar úmido e a boca com palavras para dizer:
“Eu preciso te contar o que sinto
e também
Quero escutar de você como você se sente”.
É hora de desligar tudo o que nos isola e de reconectar o olhar úmido e a boca com palavras para dizer: “Eu preciso te contar o que sinto e também quero escutar de você como você se sente”.
... O abraço que a ansiedade merece não é um sonho distante. Ele é uma possibilidade concreta, acessível ao aqui e ao agora.
A cultura não findará suas cobranças por produtividade, sucesso, competitividade e status. Continuaremos a ser espremidos no tempo por pressões injustas e tantas vezes cruéis. A saída não está somente no autocuidado individual, que é sempre ótimo, porque é também um tempo de pausa que já é contrário a toda essa força aceleradora.
Precisamos cuidar uns dos outros.
O abraço merecido na ansiedade é filho da delicadeza.”
E nas sessões de psicoterapia ...
Sinto-me cada vez mais impelido a falar do coletivo, da cultura do consumismo, do distanciamento cada vez maior da natureza e dos amigos, das crianças que não brincam mais (na chuva, no barro, no mato, na rua, com os coleguinhas, com os pais ...), do projeto analfabeto funcional, de não mais experimentarmos por nós mesmos, das ideologias manipuladoras e tão presentes nas redes sociais ... e vai por aí afora.
Percebo frequentemente que o paciente busca um espaço de acolhimento, pois o seu sofrimento psíquico mostra que vivemos cada vez mais individualizados e isolados.
Amaral pontua: “Não somos ilhas, jamais: mesmo que nos escondamos do mundo, ele vem e nos encontra, através do sentimento de solidão e desconexão de todos os laços que importam”.
Muitos pacientes se sentem “perdidos”, “desmotivados” e “excessivamente ansiosos”. Nem mesmo têm consciência do que lhes falta, para ter uma vida prazerosa.
Nas sessões que conduzimos, fica cada vez mais perceptível que todos nós, ansiosos demais ou de menos, precisamos de muitos abraços.
Referência bibliográfica:
Amaral, Alexandre Coimbra; Toda Ansiedade Merece um Abraço – São Paulo: Planeta Brasil, 2023
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