Abril/2023: Psicologia

 

A Ansiedade do Nosso Tempo

Neoliberalismo, Trabalho Remunerado e a Ansidedade ... Burnout?

(inclui notas da live de Alexandre Coimbra Amaral)

 

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A ansiedade é o tema mais frequente nas sessões de psicoterapia. Os pacientes se apresentam com quadros de ansiedade cada vez mais agravados: inseguros, estressados, desmotivados e também deprimidos.

 

Crises de ansiedade, fobia social, ataques de pânico e propensão ao burnout podem ocorrer, mas quando a frequência é alta e os sintomas persistem, transformaram-se em transtornos, psicopatologia ou doença psicológica. Requerem tratamento psicológico entre outros.

 

Já nos referimos à Ansiedade nos informes O Medo é nosso amigo. A Ansiedade é má companhia e Mais Excitação e Menos Ansiedade em 2022. Deles retomo uma máxima da psicologia clínica: “O ansioso vive no futuro, enquanto o deprimido vive no passado. Ambos deixam de aproveitar as oportunidades de bem estar, prazer e alegria do presente".

 

E o que dizer do tempo presente?

 

Há muitas causas para os quadros de ansiedade. Consideraremos aqui as causas relacionadas ao trabalho exaustivo, estressante e pouco prazeroso. O trabalho remunerado e a falta dele têm sido a causa mais comum da ansiedade em nosso consultório.

 

A falta de equilíbrio entre trabalho e outras atividades essenciais pode trazer a ansiedade patológica. É evidência da Ansiedade Patológica menosprezar e/ou desprezar o amar e ser amado, os amigos, a família, os prazeres relevantes, as alegrias, os hobbies, o ócio, a natureza (praia, campo, animais, florestas, montanhas, geleiras, deserto, ...), as boas conversas (presenciais), a empatia e a compaixão, a espiritualidade, a ética e o sentimento de pertinência, entre outros. 

 

“Você vive para trabalhar ou trabalha para viver?”

Este dito popular quase não é mais ouvido em nossas conversas. Parece que esperam de nós que “vivamos para trabalhar”. O ócio é duramente combatido e o ocioso, mesmo sem oportunidade de trabalho, é considerado um perdedor vagabundo.

 

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E quanto ao Ambiente de Trabalho

"Acordo e não tenho vontade de ir trabalhar."
"Para onde foi minha motivação de ser um excelente profissional? Lutei tanto para chegar até aqui, mas estou seguro de que não posso mais continuar a fazer o que estou fazendo."
"Me sinto incompetente. Não consigo mais dar conta de todas as minhas tarefas."
"Meu chefe não percebe que demanda demais. Não é viável dar conta do que ele solicita."
"Meus colegas me dizem para eu não reclamar, pois tem muita gente desempregada que adoraria estar em meu lugar."
"Não consigo me desligar do trabalho. Nem dormindo direito eu estou."
"Tenho a sensação de que vou ser demitido a qualquer momento."

Neoliberalismo, Trabalho Remunerado e a Ansidedade

 

Sem nos darmos conta, o discurso neoliberal vai moldando a maneira de percebermos o mundo. Distraídos que somos, nos deixamos levar pelas ideias do capitalismo, do neoliberalismo, do humano-unidade-de-produção, da fantasiosa onipotência que o dinheiro deveria nos proporcionar. Nossas escolhas são significativamente influenciadas pelo discurso perverso do neoliberalismo.

 

Buscava uma forma de associar este tema à Ansiedade. Ao participar de uma live (apresentação online via vídeo conferência), A Ansiedade do Nosso Tempo, promovida pelo IJUSP (Instituto Jungiano de São Paulo) em 31 de março de 2023, optei por reproduzir algumas das anotações que fiz neste encontro. As notas compõem o meu entendimento das falas de Alexandre Coimbra Amaral, com adições e edições para adequá-las ao propósito dos meus informes.

 

Amaral nos contou sobre o livro que está escrevendo: “Toda Ansiedade merece um abraço”, livro que deverá ser publicado em breve. Vamos às notas:

 

Nos seus estudos sobre tratamento da ansiedade, Amaral se deu conta de que todos os livros são bíblias neoliberais. O mote é “A ansiedade é sua, o problema é seu, é individual. Então faça você mesmo seu mindfulness (atenção plena), sua yoga, e não me conte seus problemas.” Percebeu que a ansiedade foi transformada num produto do individualismo pós-moderno, que as pessoas têm que cuidar de si mesmas individualmente e não onerar o mundo com o peso da sua ansiedade. Encontrou também livros de autoajuda, "da mais barata possível".
 

Referiu que a ansiedade de que falamos hoje é um fenômeno típico do nosso tempo.

 

Para teóricos, como Freud, Jung, Adler entre outros, precisamos de um bocado de ansiedade para viver. Sem ela não nos desenvolvemos, não saímos do peito da mãe. A ansiedade aponta para onde nosso desejo quer nos levar. Esta parte boa, não é o que a ansiedade representa para nós hoje.

 

É raro ouvirmos falar da ansiedade boa, como a ansiedade boa pela festa de formatura do ensino médio. Ao invés da excitação e curtir a festa, a ansiedade atual faz o formando ser afetado por todos os problemas que podem ocorrer e estragar a festa.

 

A ansiedade nasce com a aceleração da vida.

 

O movimento da aceleração da vida é um movimento cultural, extremamente ligado ao capitalismo, que prega maior produtividade – cada vez mais, produzir mais, render mais.

 

No século passado as indústrias precisavam produzir cada vez mais produtos. E nós fomos transformados num dos produtos (ou unidade de produção) deste sistema. A mesma lógica passou a ser infundida à nossa identidade. Nós passamos a ser, cada vez mais, cobrados por produtividade acelerada. Não existe uma linha de chegada, uma meta. O que existe é a necessidade de estar em movimento acelerado, e isso não é sustentável. Precisamos nos manter em movimento, não em movimento acelerado o tempo todo. Temos que dar conta cada vez mais de mais e mais tarefas que nos são demandadas pelo sistema. O resultado é a ansiedade do nosso tempo. Nós passamos a nos sentir devedores do outro. Não há como dar conta do que esperam de nós.

 

Este movimento cultural ganhou força com o processo de convergência digital. Tudo que você precisa está no seu smartphone.

 

Em 1990, o lema da AT&T (American Telephony and Telegraphy) era “information anytime anywhere” – acesso à informação (e à pessoa) a partir de qualquer lugar e a qualquer momento. Em 2007, a Apple lançou o primeiro iPhone 2G. Em 2008, a HTC Dream lançou o primeiro Smartphone Android. E em 2010, a Sansung lançou o Galaxy S. Smartphones são computadores portáteis com acesso à internet  e que também fazem ligação telefônica. Sua portabilidade mudou o lugar que ocupamos no mundo. Este lugar passou a incluir – virtualmente - muito mais coisas do que podemos dar conta. A partir deles tornou-se muito difícil cuidar do que é importante e das demandas que nos são atribuídas.

 

Perdemos um pedaço de nossas vidas. Perdemos a oportunidade de contemplar a vida, perdemos a oportunidade de ter silêncio, perdemos o direito de separar o público do privado. As fronteiras foram quebradas: o smartphone leva para dentro de casa o banco, o trabalho, as relações sociais, o sexo.

A portabilidade do smartphone transforma a nossa disponibilidade em obrigação. Isto é uma tragédia social. Nós temos que estar disponíveis o tempo todo. Uma mensagem não respondida no WhatsApp gera paranoia de rechaço, exclusão, desamor, ... "só devo ter feito algo de errado". O WhatsApp distorceu o sentido de urgência: não existe mais urgência, mas sim ansiedade. Somos uma multidão de ansiosos, que não consegue mais hierarquizar os problemas. Respondemos duas mensagens enquanto chegam mais 20.

 

A nossa ansiedade sempre é julgada pelos outros. A mesma cultura que produz a ansiedade, julga o ansioso. Junto com a produção da ansiedade vem antagonicamente a obrigação de felicidade.

 

Esta cultura que quer aumento de produtividade e cumprimento de metas, usa subterfúgios em frases como: "força, foco e fé", "você tem que ser resiliente" ou "você tem que vestir a camisa da empresa", Estes subterfúgios disfarçam um mecanismo muito bem engendrado que produz pessoas aceleradas, ansiosas, se sentindo devedoras do mundo, se sentindo incompetentes para lidar com suas vidas e sentindo que precisam esconder os sintomas gerados por este modo de funcionamento.

 

Junto com a ansiedade vem muita solidão. As pessoas se olham até a página 2 apenas. Não se olham de verdade, apenas leem mensagens (se forem curtas), ouvem os áudios ou assistem vídeos recebidos (desde que sejam de menos de 1 minuto).

 

Através de um pensamento catastrófico, a ansiedade nos faz acreditar que temos certeza de que vai dar ruim. A ansiedade é uma “certeza” de futuro. Só isso já é um tema para se trabalhar na clínica psicológica, pois o futuro é o lugar do incerto, o futuro é o habitat da impermanência e da imprevisibilidade. Por não conseguirmos lidar com a imprevisibilidade, construímos fantasias de certezas. A experiência ansiosa passa a ser a certeza de que vai acontecer uma tragédia.

 

Parte do tratamento clínico da ansiedade considera a capacidade com que a pessoa lida com espera, frustração e incerteza. Esta capacidade está em baixa na nossa época.

 

É importante fazermos uma diferenciação entre a pessoa ser ansiosa ou estar com um quadro de ansiedade.

 

Estamos num período de questionamento das identidades. Devemos estar atentos para não transformar os quadros clínicos em identidade, como se a pessoa tivesse só isso para apresentar ao mundo.

 

Que tal perguntar: “O que você sente quando não está com um quadro de ansiedade?”, “Quem é você, quando você não está ansioso?”, “O que você gosta de comer?”, “De que tipo de filme você gosta?” ...

 

A ansiedade é uma ladra de nós.

Se a pessoa se autodenomina ansiosa, este diagnóstico deturpa as suas reais potencialidades. Ela não pode se orgulhar de sua potência, pois, lá no final da história, ela vai se dar mal. Ela pode ser criativa, pode ser muito lúcida, mas ela é ansiosa. Assim, não devemos esperar muito de dela. Vale refletir: de que outras formas podemos olhar para a pessoa ansiosa?

 

É importante relativizar a ansiedade. Ela é uma ferramenta necessária à manutenção da vida.

 

O discurso neoliberal convoca a pessoa a ser ansiosa. As pessoas ansiosas são chamadas de focadas, determinadas, concentradas, tenazes, comprometidas, responsáveis. Estas palavras não são ingênuas.

 

O trabalho clínico e o trabalho social sobre a ansiedade são trabalhos que devem organizar uma crítica a este funcionamento. Para vencer este quadro há que se fortalecer a pessoa para que ela faça uma contrarrevolução interna, uma contracultura a esse modo de vida.

 

Aprendemos que, para diminuir os sintomas da ansiedade, é preciso respirar. Isto é verdade, mas também é um reducionismo. Esta forma de tratamento, assim como meditação, mindfulness, yoga, entre outros, são processos individuais.

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Se a ansiedade é uma experiência coletiva na sua origem, ela também precisa ser coletiva no seu tratamento. Coletivizar o tratamento da ansiedade significa construir dispositivos de reconhecimento de si e do outro, da nossa limitação para habitarmos este mundo e lidarmos com efeitos da ansiedade sobre nós. Precisamos criar muitos tratamentos de grupo para que as pessoas se reconheçam na sua fragilidade.

 

“Você precisa se colocar como maioral nas redes sociais e não deve expressar sua fragilidade”.

 

Se não mostramos nossas vulnerabilidades, tornamo-nos pessoas fracas e inseguras. As psicoterapias de grupo podem mudar esta situação, criando um ambiente de acolhimento e partilha.

E nas sessões de psicoterapia ...

 

Estar com um quadro de ansiedade não é questão de baixa resiliência.

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O transtorno de ansiedade não é apenas uma questão individual, mas também uma questão social.

 

Se faz necessário – urgentemente - criar/encontrar um lugar melhor no mundo: o lugar da ansiedade boa, que nos coloca em movimento na direção da realização do nosso desejo.

 

O lugar que nos cobra mais e mais “entregas”, até que não consigamos mais dar conta da demanda, é um lugar tóxico. Permanecer neste lugar tóxico leva o nosso organismo à exaustão. Não é por acaso que burnout se tornou um tema popular no mundo corporativo.

 

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Se aceitarmos as demandas sobre-humanas, nos submetendo a elas sem dizer NÃO, é bem provável que sejamos mesmo acometidos pelo burnout. 

 

Agradeço ao Amaral por ter me ensinado que 

“Toda Ansiedade merece um Abraço”

 

 

Referência bibliográfica:

 

O Medo é nosso amigo. A Ansiedade é má companhia

Informe - Psicologia - publicado em setembro/2021 neste site
 

Mais Excitação e Menos Ansiedade em 2022

Informe - Psicologia - publicado em dezembro/2021 neste site

 

Neoliberalismo

Texto do site Wikipédia - transcrição parcial do conteúdo acessado em 27 de abil de 2023

 

Onde estaria Burnout se fosse descrita no DSM 5?

Texto do colunista Marcos Henrique Mendanha, publicado no site SaudeOcupacional.org., em 26 de março de 2021
transcrição do conteúdo acessado em 27 de abil de 2023

 


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