Agosto/2023: Psicologia
Pai e Paternagem
"Vossos filhos não são vossos filhos."
A chegada do Dia dos Pais neste Agosto/2023 trouxe para nossas sessões o tema da paternagem.
Dentre os pacientes-pais são poucos os que conhecem o termo paternagem. Paternidade, ser pai, é diferente de paternagem, exercer a função de pai.
Enquanto pensava em escrever sobre este tema, Malu Marchi, minha analista, compartilhou o texto “Vossos filhos não são vossos filhos”, de Khalil Gibran. O poema fala da paternagem. Percebi mais uma vez que a arte do escritor-poeta sintetiza em menos de uma página, o que necessitaria de muitas sessões de psicoterapia para ser abordado.
A Paternagem de Gibran
“Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas; pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós, porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e o estica com toda a sua força para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria, pois assim como ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estável.”
Paternidade, segundo o Dicionário Aurélio, é estado ou qualidade de pai. É a relação jurídica entre pais e filhos.
Distingue-se a paternidade legítima, em que os filhos procedem de uma união entre pai e mãe, da paternidade adotiva, em que o filho é adotado.
Quando não se trata dos filhos, a palavra paternidade também é associada à criação ou autoria. Por exemplo, podemos dizer que João Gilberto é o pai (criador, autor) da Bossa Nova.
Paternagem é o papel do pai, é a função paterna.
A função paterna é um conceito da psicanálise. Se refere à introdução de um terceiro que desestabiliza a relação dual entre a mãe e a criança, fazendo surgir a falta, o desejo e um sujeito. Essa função está ligada à interdição, à censura e à castração, que são formas de inserir a criança no universo das leis e do social. A função paterna pode ser exercida pelo pai simbólico, que não é necessariamente o pai biológico. Se articula com a função materna, que é responsável pela sustentação e cuidado da criança.
Considerando o arquétipo paterno, a principal função do pai é prover e proteger.
Zeus é exemplo para o arquétipo paterno. Vem para instituir um tempo diferente, traz o novo. É o pai de todos: homens e deuses. Do alto cuida e organiza, não de longe, do alto do monte Olimpo. Há uma proximidade, cria uma organização justa. Representa o poder que vem de cima, mas fertiliza e é justo. Está associado à ordem, à disciplina, ao dever e ao cumprimento das leis. É alguém que olha, vê com clareza e comanda com justiça.
Exercer a paternagem "suficientemente boa" é proteger; prover; amar; acarinhar; tolerar; acompanhar; estar presente e disponível; ser bom ouvinte; inserir socialmente; ser exemplo de solidariedade, cidadania, reciprocidade, disciplina, religiosidade e ética.
A Paternagem de Tiba
" Os pais podem dar alegria e satisfação a um filho, mas não há como lhe dar felicidade.
Os pais podem aliviar sofrimentos enchendo‐o de presentes, mas não há como lhe comprar felicidade. Os pais podem ser muito bem‐sucedidos e felizes, mas não há como lhe emprestar felicidade.
Mas os pais podem dar aos filhos muito amor, carinho, respeito. Ensinar tolerância, solidariedade e cidadania. Exigir reciprocidade, disciplina e religiosidade. Reforçar a ética e a preservação da Terra. Pois é de tudo isso que se compõe a autoestima.
É sobre a autoestima que repousa a alma, e é nessa paz que reside a felicidade. "
Algumas questões relevantes
Proteger e Redes Sociais
Como proteger uma criança, um púbere ou um adolescente que acessa e é acessado na privacidade do seu quarto (ou qualquer outro lugar), por meio de seu celular, tablete ou computador?
Não deram celular para este menino: olhe o resultado ...
Prover e Consumismo
Como adequar o consumo da criança, do púbere ou do adolescente, que quer viver de maneira semelhante aos colegas e amigos que desfrutam ilimitadamente de bens de consumo, viagens, entretenimento, vestuário, brinquedos, restaurantes e iFood?
Ter versus Ser
Como estimular a criança, o púbere e o adolescente a ter menos e ser mais, a consumir menos e produzir mais, a exigir menos e contribuir e colaborar mais?
Tratamos das fases do desenvolvimento nos informes
Cuidar e Freud, Cuidar e Jean Piaget e Cuidar e Henri Wallon.
Estimulamos os pais a conhecerem as diversas teorias sobre o desenvolvimento humano. Elas ajudam a compreender o processo de construção da personalidade, desde a gestação até a adolescência.
Ser pai é ter a oportunidade de acompanhar este fascinante processo de formação do adulto que vem chegando.
Proporcionar o melhor e mais saudável ambiente possível em cada fase do desenvolvimento é parte relevante da paternagem.
As intervenções educativas, o prover e o proteger devem levar em conta o nível de maturidade do(a) filho(a): gestação, bebê, criança, púbere, adolescente ou adulto.
Um pai presente e disponível percebe e atua respeitando o processo de desenvolvimento. Proporciona uma paternagem adequada à fase em que o(a) filho(a) se encontra.
O que o pai pode fazer para criar ou manter um ambiente onde os filhos adultos (e noras, e genros, e netos ...) se sintam bem e queiram compartilhar suas vidas?
Na paternagem de filhos e filhas adultas, a comunicação franca é fundamental. A autoridade e a orientação devem dar lugar às conversas e a relatos de experiências e desafios de ambas as partes. Respeitar as opiniões e os pontos de vista diferentes é a base deste processo.
O apoio e suporte do pai deve permanecer incondicional. O prover e o proteger devem se transformar em empatia e compaixão.
Refeições, passeios e férias em família são grandes oportunidades de conversas valiosas e sustentam o bom vínculo parental.
Assim como desde a adolescência, o pai deve evitar críticas excessivas ou julgamentos sobre as escolhas dos filhos e filhas, procurando colaborar com eles na construção de cenários alternativos e na identificação de possíveis consequências danosas, com muito respeito às suas iniciativas.
Manter uma rotina, fazendo qualquer coisa junto com os filhos adultos, parece ser um bom caminho para atingir a paternagem "suficientemente boa".
E nas nossas sessões de Psicoterapia ...
Quando pacientes-pais perguntam “Como lidar com as questões do(a) filho(a)?”, costumo sugerir que os observem com mais atenção, concentração e isenção de preconceitos. Utilizo uma frase de efeito, que nem sempre é bem recebida: “A melhor maneira de observá-los, é tirar o olho do próprio umbigo e colocar seu olhar de observador isento, atento e concentrado no(a) filho(a)."
Quem tem os melhores recursos para lidar com as questões da paternagem de seu filho ou de sua filha é você mesmo, você pai. Talvez alguns consultores como os psicólogos possam ajudá-lo, mas a paternagem é sua função, assim como responder pelos atos de seu filho ou filha, enquanto menores de idade.
Lembro que a Psicanálise nos ensina que filho é um projeto narcísico. Vem daí a dificuldade de atuar como nos propõe o poema de Gibran: “Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, porque eles têm seus próprios pensamentos.”
Estimulo a reflexão sobre a diferença enorme que existe no modo de vida das gerações dos pais e dos filhos e filhas. Cuidar da criança de hoje, inserida desde o nascimento no mundo digital-virtual, e ter sido criança num mundo mais concreto e com mais contato com a natureza traz grande dificuldade para os pais. As crianças de hoje estão inseridas no mundo da convergência digital, onde parece que tudo se consegue sem esforço.
Antes da convergência digital, as crianças criavam seus brinquedos com recursos concretos e naturais. Não tocavam uma telinha que transforma seu dedo indicador na varinha mágica das encantadoras fadas madrinhas. Faziam estilingue, bolas de pano contornadas pelas meias da mãe, capuxetas com folhas de jornal. Costuravam vestidos para suas bonecas, brincavam de casinha, corriam pelas ruas em segurança, ralavam o joelho, pulavam muros para explorar o desconhecido, ...
Hoje as crianças empenham tabletes e smart phones ao invés de espadas feitas de galhos de árvore. Viajam por fantásticos lugares imaginados a partir das animações gráficas em suas telinhas. Têm mais brinquedos do que vontade de brincar. Querem ser MC, influenciadores(as) ou youtubers, não mais professoras, bailarinas, costureiras, motoristas de caminhão, bombeiros, cowboys ...
Uma boa paternagem implica em ser companheiro do(a) filho(a). Companheiro que estimula a exploração do mundo real (natureza e relações interpessoais). Companheiro na navegação no mundo virtual-digital cheio de perigos inéditos tanto para os filhos e filhas quanto para a criança interior do pai também deslumbrado com os fantásticos video games.
Desafortunadamente, há mais perguntas do que respostas sobre a paternagem "suficientemente boa".
Referência bibliográfica:
Quem ama, educa!; Içami Tiba; Ed. Integrare, 2017
Cuidar e Henri Wallon - Teoria do Desenvolvimento Humano
Cuidar e Jean Piaget - Teoria do Desenvolvimento Humano
Cuidar e Freud - Teoria do Desenvolvimento Humano
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